No Museu da Casa Brasileira localizado em São Paulo, existe um espaço dedicado às árvores nativas e sua relação com o mobiliário, lá, chama atenção de como a derrubada de arvores nativas simbolizava o progresso, e como hoje, mudamos nossa percepção. Mas se atualmente, não derrubamos mais árvores centenárias, para fabricação de móveis, como ainda fabricamos móveis de madeira?
Já temos um post (link para matéria), explicando como ajudar na preservação ambiental consumindo madeiras certificadas. E no post de hoje, vamos entender como a tecnologia entra nessa "equação".
Se voltarmos 200 anos na história, todo o mobiliário era produzido em madeira maciça, com as famosas "madeiras de lei". O termo "madeira de lei", tem esse nome, porque assim que a família real desembarcou no Brasil nos anos 1800, determinou quais madeiras eram reservadas para o uso exclusivo da realeza. Deixando claro, que já em 1800 haveria escassez de madeiras "boas". Ou seja, há 200 anos o governo já sabia, que mesmo em um país enorme e pouco desbravado, a demanda de madeira "boa", era maior do que sua disponibilidade.
Mas e ai, somente a família real teria acesso a móveis e construções em madeira? Estaria o restante do "povo", impedido de adquiri-los?
Sabemos que a história não se "desenrolou" assim, e que a família real portuguesa não imaginou que a engenhosidade humana, com uso da tecnologia, fosse capaz, com uma população mundial 7x maior, nos permitir continuarmos consumindo móveis de madeira.
Em 1800, a fabricação de móveis, era predominantemente feita com madeira maciça obtida do corte da árvore nos formatos de pranchas, vigas, caibros, sarrafos, tábuas e ripas. Com esse tipo de uso da madeira, tínhamos perdas, já na obtenção da matéria-prima.
Além disso, essas árvores necessitam de centenas de anos para formar um tronco útil para extração das tábuas. Se pensarmos que, quanto mais tempo a árvore fica exposta a intempéries, maiores são as chances de surgirem defeitos no tronco, temos ainda mais perdas.
A humanidade precisava desenvolver métodos que possibilitassem o uso da madeira com menos desperdício, sem comprometer a resistência e a qualidade dos produtos... E ai, veio o século XX...
Um pouco da história do desenvolvimento tecnológico das madeiras
Por volta dos anos 1930, com o avanço da indústria química, um fabricante de moveis nos Estados Unidos, desenvolveu um processo em que o tronco da árvore, ao invés de cortado, era descascado e colado alternadamente formando placas das mais variadas espessuras, nascia a "madeira compensada".
Graças a sua elevada resistência, leveza e plasticidade, foram utilizadas desde a fabricação de carros e aviões (no início do século passado) até pranchas de skate (nos dias atuais).
Ainda são amplamente usadas na fabricação de assentos
para cadeiras de escritório (que passaram a ser anatomicamente moldados através desse processo), e mesmo quando não são cobertos com tecido, podem receber folhas de madeiras nobres, na primeira e última camada, sendo "protagonistas" em clássicos do mobiliário corporativo até hoje.
E já que estamos falando da madeira laminada, até pouco tempo atrás, para obter um móvel com o acabamento superior, colava-se uma fina folha da madeira (nobre) sobre outra madeira (menos nobre).
Nessa fina folha de madeira colada, podíamos lixar, selar e envernizar normalmente, obtendo um móvel superior, sem "gastar" madeiras "caras" em toda sua construção. Esse processo vem sendo gradualmente abandonado, a medida que tecnologias de impressão (falaremos daqui a pouco delas) reproduzem os desenhos e veios das madeiras, com fidelidade.
Essas folhas, são obtidas fatiando o tronco da árvore que, mantendo o sentido do corte (o mesmo usado para obtenção das pranchas), gera folhas que preservam o desenho dos veios, assemelhando-as (esteticamente) à madeira maciça. Um profissional especializado, escolhe e organiza as folhas na hora de colar, preservando a continuidade dos veios, como se tudo fosse feito de um mesmo tronco.
A evolução máxima dessa técnica, pode ser vista na "marchetaria", onde, a combinação de diferentes madeiras, formam desenhos e mosaicos.
Passado alguns anos, no intuito de "facilitar" o processo, e padronizar a largura das folhas, em meados dos anos 90 popularizou-se no mercado uma padrão chamado "linheiro". Neste, as mesmas folhas (fatiadas), são coladas, formando um "blocão de madeira". Depois de seco, o "blocão" é cortado (perpendicularmente à colagem) obtendo novas folhas de madeira, mas desta vez, sem o desenho original. O resultado (olhando de perfil, com uma lupa) é uma série de quadradinhos colados um do lado do outro com tons de madeira alternados.
Assim, deixa de existir a necessidade de "compor" as folhas com o desenho dos veios.
"Ponto" para produção em larga escala!
É claro que nem tudo são flores, e há quem ainda prefira madeiras desenhadas, como a radica, mas isso é um outro capítulo da história.
Deixando (por enquanto) a história dos revestimentos de lado, vamos falar do "substrato" (o miolo), das placas de madeira.
Vimos anteriormente que as folhas podem ser coladas em placas de madeira, sejam elas maciças, compensadas ou (mais comum atualmente) de madeira reconstituída. Essas placas de madeira reconstituída, obtidas através da prensagem dos "cavacos da madeira", são designadas pelas siglas MDF, MDP, HDF, etc...
Esses materiais, criados a menos de 60 anos, evoluem a cada dia em qualidade e resistência. O Brasil tem destaque mundial na fabricação de painéis de madeira reconstituída a partir de árvores plantadas, adotando as melhores técnicas industriais e práticas modernas de manejo florestal.
Segundo a revista da madeira, o uso de madeiras reconstituídas, trouxe à indústria de transformação (fabricante de móveis), materiais capazes de substituir a madeira solida em muitas aplicações, com estruturas homogêneas, livre de defeitos, com melhores propriedades físico mecânicas, resistente à bio-deterioração e maior estabilidade dimensional.
Apesar das diferenças entre cada sigla (já vou explicar mais a frente cada uma delas), o que as coloca no mesmo grupo, é o seu processo de fabricação. De acordo com a EMBRAPA, o processo de fabricação de painéis de MDF e MDP se faz pelo desfibramento de toras finas de madeira (plantadas ou recicladas), sem que ocorra a remoção da lignina* , reagrupando e prensando as fibras novamente, na forma de um painel de grande dimensão sendo usado em diversas aplicações, sem a necessidade de emendas ou juntas.
* Lígnia, é um polímero orgânico complexo que une as fibras celulósicas, aumentando a rigidez da parede celular vegetal, constituindo, juntamente com a celulose, a maior parte da madeira das árvores e arbustos; lenhina, lenhose.
Inicialmente o material resultante desse processo, era o chamado aglomerado, no entanto, com a evolução dos processos de fabricação e melhoria substancial da qualidade, o aglomerado foi deixado para trás, e novas denominações foram criadas, juntamente com rígidas normas técnicas que estabeleceram os padrões de qualidade do material. Os mais aplicados na indústria moveleira, são os famosos MDP, MDF e HDF. Eles se diferem basicamente pelo formato do "cavaco" da madeira. Sendo sua escolha devendo ser feita de acordo com o formato da peça a ser obtida.
MDP
O MDP é um painel de madeira reconstituída, assim como o MDF e o HDF. MDP é a sigla para Medium Density Particleboard ou Painel de Partículas de Média Densidade. As partículas são posicionadas de forma diferenciada, com as maiores dispostas ao centro e as mais finas nas superfícies externas, formando três camadas. São aglutinadas e compactadas entre si com resina sintética por meio da ação conjunta de pressão e calor. O MDP é resultado da evolução da tecnologia de prensas contínuas e pertence a uma nova geração de painéis de partículas de média densidade. O MDP é um painel homogêneo e de grande estabilidade dimensional, resiste muito bem à flexão e ao arranque de parafusos.
Usos e Aplicações
Pelas suas características, o MDP é especialmente indicado para a indústria moveleira, na produção de móveis residenciais e comerciais de linhas retas. Suas principais aplicações são: portas retas, laterais de móveis, prateleiras, divisórias, tampos retos, tampos pós-formados, base superior e inferior, frentes e laterais de gaveta. Para melhor utilização, é importante que tanto as faces, quanto todas as bordas do painel, estejam cobertas com acabamento, mesmo as bordas ou faces não aparentes. Por ter um espaço vazio entre as fibras centrais, resiste mais do que o MDF a interpéries, pois permite uma pequena margem de deformação das fibras, antes que ocorra uma deformação maior na placa. Sempre que possível (quando o desenho do móvel assim permitir), deve-se dar preferência ao MDP em detrimento ao MDF na construção dos móveis
MDF
O MDF é um painel de madeira reconstituída, assim como o MDP e o HDF. MDF é a sigla para Medium Density Fiberboard ou Painel de Fibras de Média Densidade. As fibras de madeira são aglutinadas e compactadas entre si com resina sintética, por meio da ação conjunta de pressão e calor. O MDF é um painel industrial homogêneo, de superfície uniforme, lisa e de alta densidade.
Características
O MDF é um painel com boa capacidade de usinagem, tanto nas bordas, quanto nas faces. Com densidade adequada e homogeneidade proporcionada pelas fibras, o painel de MDF pode ser facilmente torneado, entalhado e usinado.
Usos e Aplicações
Pelas suas características, o MDF é amplamente utilizado na indústria moveleira para frontais em peças com usinagens e trabalho de baixo relevo, nos fundos de móveis, base de gavetas e para artesanatos diversos. Na construção civil é utilizado para fabricação de pisos, rodapés, almofadas de portas, batentes, portas usinadas, peças torneadas como balaústres de escadas, pés de mesas e como embalagem.
Existe também, o HDF é um painel cuja característica principal é a alta densidade com duas faces lisas, podendo ser usinada.
Usos e Aplicações
O HDF é um painel muito versátil, utilizado em diversas indústrias. Funciona bem com usinagens e trabalhos em baixo relevo. Nas espessuras finas, o painel pode ser curvado. É indicado para a fabricação de móveis (residenciais e corporativos) como fundo de armários, base de gavetas, embalagens, artesanatos em geral e brinquedos. Na construção civil é utilizado em pisos laminados, divisórias e portas.
Esses materiais, podem receber diferentes revestimento, como por exemplo madeira folhada (que já falamos), fórmicas (que vamos falar), e no caso do MDF, pintura líquida. E já que chegamos aos dias atuais na história dos substratos, vamos voltar à história dos revestimentos.
Os revestimentos da "era espacial"
Nos anos 60, com a corrida espacial, popularização dos computadores e a crescente busca pelo visual moderno e futurista dos "Jetsons", um material, originalmente usado na fabricação das placas de circuitos eletrônicos, aparece revestindo pisos, paredes e porque não, móveis. O "Laminado Decorativo de Alta Pressão", mais conhecido como "Fórmica", desponta no mobiliário residencial e corporativo dos anos 1970, aposenta o visual "antiquado" da madeira e inaugura a "era futurista" do plástico. Colorido, liso, brilhante, resistente, e com o visual "espacial", junto com os potes plásticos e as panelas anti-aderente, fez a cabeça (e a cozinha) da geração modernista dos anos 1970.
Preciso mencionar que fórmica é marca, o nome correto do material é "Laminado Decorativo de Alta Pressão". Mas não se culpe por chamá-lo (carinhosamente) de fórmica, afinal, sua história se confunde com a empresa que o desenvolveu.
A história da fórmica, começa no início do século XX, com George Westinghouse, um engenheiro americano, que tinha a intenção de fabricar seu isolante elétrico, com base em uma patente Suiça de colar papel e mica com resina de goma laca. Em 1910, o Engenheiro Daniel O'Conor e o empresário Herbert Faber, desenvolveram um substituto para a mica, um papel kraft, impregnado de resina fenólica e submetido a altas temperaturas. Surgia o laminado, registrado como Formica, da corruptela "for mica" extraída da frase "substitute for mica" (substituto para a mica). A partir dos anos 1920 a Formica foi ganhando espaço em outras aplicações como indústria automotiva e eletrônica, passando a ser produzido em várias cores, conquistou lares e corações nos Estados Unidos.
Mas foi no pós segunda guerra mundial que a Fórmica (empresa) retoma a fabricação intensiva do laminado, dessa vez com uma nova tecnologia, passando a produzi-lo à base de melamina-formaldeideo, dando resistência e durabilidade ao laminado. Sendo esse o padrão atual tanto da fórmica, quanto do MDP e MDF revestidos (já vamos voltar à história deles) amplamente utilizados na indústria moveleira atualmente.
Timidamente, no início dos anos 1990, surgia no mercado o MDP revestido. Simplificando o processo produtivo, a melamina vinha aplicada diretamente no MDP, não sendo necessário, aplicar a melamina no kraft, para depois colar na madeira. Em um primeiro momento, disponível apenas em cores lisas, com a evolução da impressão, e das prensas, capazes de reproduzir os veios e as imperfeições da madeira natural, as madeiras revestidas viraram "coqueluche" nos anos 2000 e "tiraram de cena" as madeiras "naturais".
E assim, chegamos aos dias atuais e ao uso responsável da madeira na fabricação dos móveis modernos.
Essa história, serve para mostrar que a engenhosidade humana, desde que bem direcionada, pode salvar o planeta. Se fomos capazes de abandonar o uso de um recurso finito (árvores centenárias), e substitui-lo por árvores replantadas de crescimento rápido, que capturam carbono da atmosfera e liberam oxigênio enquanto crescem, tenho certeza que somos capazes de superar os desafios à nossa sobrevivência neste planeta. Cabe a nós consumidores, apontarmos a direção correta, consumindo produtos "do bem".
https://iba.org/paineis-de-madeira
http://www.remade.com.br/br/revistadamadeira_materia.php?num=324&subject=Classifica%E7%E3o&title=Chapas%20de%20madeira%20reconstitu%EDda%20(classifica%E7%E3o%20e%20processos%20de%20fabrica%E7%E3o)
https://www.formica.com.br/historia/
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